quinta-feira, 25 de setembro de 2014

DEVIL IN A BLUE DRESS




Devil in a Blue Dress (O Diabo veste azul), de Carl Franklin, com Denzel Washington, Don Cheadle e Jennifer Beals, 1995.

Interessante neo-noir revisionista que aborda uma questão que os filmes noir do período clássico jamais tocam: a situação da comunidade afro-americana nos anos 40/50. Denzel Washington interpreta Ezekiel 'Easy' Rawlins, um veterano da Segunda Guerra, desempregado que luta para pagar a prestação de sua casa (seu maior orgulho) de forma honesta. Ao aceitar a proposta de um detetive particular para localizar uma mulher branca no interior da comunidade negra, na qual esse detetive não teria livre acesso, Easy Rawlins acaba se envolvendo em uma intrincada trama de corrupção política, segredos mórbidos e traição. Easy Rawlins incorpora o arquétipo do detetive particular na melhor tradição chandleriana (com uma ótima narração em off de Denzel Washington), tornando-se cada vez mais durão, cínico, mordaz e desdenhoso para com as autoridades. O filme, porém, evita ao máximo cair em anacronismos, sempre levando em consideração o momento histórico e a situação de segregação que a comunidade negra vivia, deste modo, as diatribes de Easy Rawlins para com as autoridades são sempre comedidas e verossímeis, mas que honram os melhores momentos de Philip Marlowe. Salvo engano, Easy Rawlins é o único detetive particular negro de um filme noir mais tradicional (Shaft também é um detetive particular, mas suas histórias não são exatamente noir), o que faz do filme uma importante contribuição ao cânone. Don Cheadle rouba todas as cenas em que aparece como Mouse, o divertido amigo “hitman” com o qual Easy Rawlins entra em contato para cuidar de sua retaguarda. Jennifer Beals interpreta uma exuberante femme fatale que remete imediatamente à Jane Gree em Out of the Past. Com uma bela ambientação da Los Angeles dos anos 40, uma ótima trilha sonora que, naturalmente, como todo filme neo-noir, abusa do jass e blues (um elemento ausente, na verdade, nos filmes noir do período clássico) Devil in a Blue Dress, a despeito de não ser nada espetacular, representa uma boa revisitação ao noir tradicional (o único elemento noir que acabou ficando extremamente artificial e desnecessário foi o diletante uso de um flashback no início do filme). Daria uma ótima série de TV – um piloto chegou a ser planejado em 1998 pela ABC, mas não engrenou –, pois o final do filme provoca uma grande expectativa em saber como será, agora oficialmente, a carreira de Easy Rawlins como detetive particular. Recomendo a todo aficionado por noir.


quinta-feira, 31 de julho de 2014

YOU'RE NEXT


You're Next (Você é o próximo), 2011, de Adam Wingard.
 
Slasher com a final girl mais sanguinária e impiedosa que já vi (a despeito da atriz ser bem insossa, mas nada que comprometa a diversão)! Recomendo a todo fã do subgênero! Lembra Funny Games do Haneke, com uma leve pitada dos whodunits da Agatha Christie. O filme lucrou bastante (custou 1 milhão de doletas e rendeu 25 milhões). Mas ainda prefiro Mother's Day, filmaço praticamente ignorado.

MOTHER'S DAY


Mother's Day (Dominados pelo ódio), de Darren Lynn Bousman, com Rebecca De Mornay.

Brutal, angustiante, cínico e niilista. Embora seja um remake (suponho que sem o provável humor do original, produzido pela Troma), o filme quase nos oferece uma continuação de "A mão que balança o berço", também estrelado por Rebecca De Mornay no papel de uma mulher ensandecida pela busca da maternidade que lhe foi negada. Em "Dias das mães", é como se tivéssemos oportunidade de ver como a personagem de De Mornay em "A mão que balança o berço" teria criado as crianças que queria sequestrar. Lamentável que De Mornay permaneça tão subaproveitada: incrível como ela consegue ser tão ameaçadora ao agir de forma tão doce e gentil.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Raze

Raze, 2013, de Josh C. Waller, com Zoë Bell e Doug Jones.
 
Crânios esmagados a rodo! Mulheres cuidadosamente selecionadas são mantidas em cativeiro e obrigadas a lutar até a morte para impedir que entes queridos sejam assassinados por seus captores - e é isso. A trama pode não ter nada de mais, porém é um filme de ação sangrento e divertido. A referência às Ménades da mitologia grega (bem como o próprio título do filme) emoldura e dá o tom narrativo, que lembra bastante um game de ação. Zoë Bell (dublê da Noiva em Kill Bill e uma das meninas de À prova de morte) está brutal! Queria vê-la estrelando mais filmes de ação: bem que ela merece um papel em Mercenários 4. Doug Jones (Abe Sapien, o Fauno e o Surfista Prateado) está ótimo no papel do vilão que se compraz ao lado de sua sádica esposa em ver as mulheres se destruindo, mostrando que sabe fazer mais do que captura de movimento e ficar sob camadas e mais camadas de látex. Rosario Dawson (Sin City) faz uma ponta como uma das meninas massacradas. Indico a todo fã de uma boa pancadaria!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Snowpiercer


Expresso do Amanhã (Snowpiercer), de Joon-ho Bong, com Chris Evans, Jamie Bell, Tilda Swinton, Kang-ho Song, John Hurt e Ed Harris.

Ficção científica da melhor estirpe!!! O filme demanda um pouco de paciência no início. Há alguns momentos quase surrealistas que exigem certa suspensão de juízo para se imergir nesse mundo distópico, como num filme de Terry Gilliam (porém também comuns no cinema sul-coreano, sobretudo nos filmes de Joon-ho Bong), mas que, de tão absurdos, se tornam estranhamente hiper-realistas. O comentário social é um dos mais relevantes e prementes do cinema atual! Chris Evans volta a surpreender com um brilhante estudo de personagem (sua segunda incursão competente na ficção científica, a primeira foi no ótimo Sunshine): seu Curtis é um dos protagonistas de filmes de ação/ficção científica mais complexos já vistos (sinceramente, consegue ser o que Neo deveria ter sido). Aliás, todo o elenco - de peso - está afiadíssimo. Park Chan-wook é o produtor e há uma referência bem bacana a Oldboy. Li um pouco da BD na qual o filme se baseia, e parece que pouco foi aproveitado da história além da premissa básica. Recomendo efusivamente a todo amante de ficção científica!

Lego - The Movie


Uma Aventura LEGO (The Lego Movie), 2014, de Phil Lord e Christopher Miller.

Ao ver algumas animações recentes baterem recordes e mais recordes de bilheteria, já estava temendo que a total falta de esforço em narrar boas histórias em favor de gags e mais gags intermináveis (ou momentos fofos ou canções ou mesmo "massaveísmo") tivesse imperado definitivamente. No entanto, Lego mostra que ainda há espaço para animações com boas e criativas histórias, capazes de proporcionar uma experiência rica e divertida, mesmo sem abrir mão de gags, momentos fofos, canções ou "massaveísmo". As muitas e muitas referências pops também são trabalhadas de modo bastante acertado, ao serem inseridas organicamente no contexto da história e não apenas vomitadas de maneira desconexa e artificial para satisfação de uma espécie de prazer solitário intelectual, tão comum em filmes candidatos a cult.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Philip Marlowe no cinema Neo-Noir





The long goodbye (Um perigoso adeus), 1973, de Robert Altman, com Elliott Gould.

Farewell, my lovely (O último dos valentões), 1975, de Dick Richards, com Robert Mitchum.


Uma das principais distinções entre o cinema noir e o neo-noir está no fato deste último deliberadamente querer se aproximar do estilo, da temática e da atmosfera do ciclo de filmes de crime, em sua maioria de baixo orçamento, os chamados filmes B e mesmo os produzidos na poverty row, do início dos anos 40 e meados dos anos 50, que eram realizados sem uma exata consciência das características que posteriormente foram identificadas como pertencentes a tal ciclo.
The long goodbye possui claramente essa intenção neo-noir típica, porém, afasta-se do mero pastiche ou de estereótipos fáceis para de fato oferecer uma interpretação que dá nova vida ao personagem de Raymond Chandler em um contexto contemporâneo à época em que o filme foi realizado. Na soberba abertura (que acredito ter servido de inspiração para a abertura de The Big Lebowski), Elliott Gould entrega um Marlowe cínico e mordaz digno de um Humphrey Bogart (algo significativo numa época em que os ideais da geração paz e amor começavam a definhar), num delicioso monólogo que transita quase imperceptivelmente entre a narração em off e a fala sobreposta (bem diferente do tom irritante que Robert Montgomery emprestou à prosa afinada de Chandler com seu Marlowe em Lady in the Lake, 1947). O Marlowe de Gould pode ser bem menos durão (tough) que o Marlowe de Humphrey Bogart no clássico absoluto The big sleep, de 1946 (mas aí também já é covardia!), porém sabe como levar uma surra (episódio indispensável em uma aventura do detetive particular/private eye) tão estoicamente (e olha que é do Schwarzenegger que ele apanha!) quanto o de Dick Powell em Murder, my sweet (1944).
Farewell, my lovely (remake de Murder, my sweet), por outro lado, faz de certa forma o caminho inverso. O filme é ambientado na época original do romance (final dos anos 30), e procura reforçar, nas cores saturadas das luzes de neón e nas notas melancólicas do blues (elementos que, na verdade, são raros em filmes noir clássicos), como já se observa na belíssima abertura, as características essenciais que a recepção crítica percebeu retroativamente no cinema noir. O filme, portanto, é um epítome da forma pela qual o filme noir é ainda hoje percebido, da maneira com que tais filmes são conservados no imaginário crítico e cinéfilo. Entretanto, Farewell, my lovely faz isso de forma excelente, não se limitando a ser uma mera homenagem, mas uma obra que possui uma especificidade e uma intenção própria. Embora Robert Mitchum já estivesse velho demais para o papel (o que é bem explorado no filme), seu Marlowe cansado e amargurado é uma versão bastante interessante do personagem (o qual ele voltaria a interpretar na refilmagem de The big sleep, em 1978). E ele também mostra que aguenta uma bela surra (e aqui é do Stallone que Marlowe apanha!).

domingo, 12 de janeiro de 2014

O ano do dragão


O ano do Dragão (Year of the Dragon), 1985, de Michael Cimino.

Do mesmo diretor de "O franco atirador" (The deer hunter, 1978, indicado a 9 oscars e ganhador de 4, incluindo melhor filme e melhor ator coadjuvante para Christopher Walken), “O ano do Dragão” me parece bem mais regular do que o primeiro (que possui um início tão chato quanto o de “Pearl Harbor”). Com Mickey Rourke, então no seu auge, o filme possui muitas similaridades com o excelente “Chuva negra”, 1989, não só pelo embate entre ocidente e oriente, mas por mostrar uma juventude asiática “corrompida” pela influência ocidental buscando tomar o lugar dos mais velhos pelo uso de extrema violência e com total desprezo por antigas tradições; além disso, ambos os filmes trazem algo que sinto falta na maioria dos filmes policiais atuais: o desenvolvimento de uma rixa pessoal entre herói e vilão; o momento em que o vilão “passa dos limites”, forçando o herói a iniciar uma cruzada por vingança.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Piteco - Ingá


A arte de Shiko está deslumbrante, as cores estão lindas, e a história está bem bacana e divertida, bastante aventuresca. Adorei as heroínas, a Thuga e a Ogra, e a importância dada ao papel delas. Muito legal o elemento fantástico na história e a releitura de algumas lendas do nosso folclore. Que bom seria se mais e mais artistas nacionais tivessem seu espaço com trabalhos autorais nas grandes editoras. Ansioso pelos próximos projetos Graphic MSP.

Do Além


Do Além (From Beyond), de Stuart Gordon, 1986.

Pensei que se tratava de uma divertida tranqueira com ótimos efeitos visuais e de maquiagem que retratam metamorfoses e degradações corporais - e é, na verdade, - mas vai "além" disso, com o perdão do trocadilho. É uma adaptação bem acertada do conto de Lovecraft (Stuart Gordon também dirigiu Re-Animator, 1985, uma outra adaptação do pai da moderna literatura de horror). Apesar da produção módica e do desenvolvimento, inicialmente, singelo da trama, o filme (sem o humor de Re-Animator) consegue transmitir bem a atmosfera lovecraftiana e se aprofundar de modo instigante na mitologia criada pelo autor, introduzindo de maneira bem interessante elementos ausentes no conto: a sexualidade e sensualidade, que, quanto mais se ocultam em Lovecraft, mais poderosamente se impõem.

Ryan Gosling em dose dupla


Só Deus perdoa (Only God forgives), de Nicolas Winding Refn.

O lugar onde tudo termina (The Place Beyond the Pines), de Derek Cianfrance.

Cada cena de "Only god forgives" é um quadro pronto para se pendurar na parede. Tudo é ritualizado, cada enquadramento, composição e movimento são "friamente calculados"; tudo vai ficando “em suspenso”, o passo, a fala, o olhar, a respiração (inclusive do expectador) - o tempo, o espaço: é um deslumbre! Mas é um "filme doente", ou seja, um filme que tinha tudo para ser uma obra prima, não fosse algo mais... aquele elemento essencial que pudesse lhe conferir uma "alma". Acabou resultando, para mim, muito mais num exercício estilístico (dos que valem a pena conferir, contudo). O filme teria, ironicamente, muito mais substância e profundidade, “alma”, se o diretor abrisse mão de todo o presunçoso surrealismo que ele tenta canhestramente dar conta e deixasse com quem sabe fazê-lo... com Jodorowsky, por exemplo, a quem ele dedica o filme. 

O lugar onde tudo termina é um dramalhão, só que dos bons. Gostei do começo, mas fiquei fulo com o meio do filme e parei de ver, porém, por recomendação do meu tio, que adorou o filme, retomei, e, de fato, o filme continua muito bom até o final. 

O ator tailandês Vithaya Pansringarm rouba a cena em Only god forgives.

Vale lembrar que Ryan Gosling já havia trabalhado tanto com Nicolas Winding Refn, em Drive, que acho bacana, quanto com Derek Cianfrance, em Blue Valentine, que ainda não tive muito interesse de ver porque me parece uma chatice sem tamanho, ainda mais pelo título no Brasil: Namorados para sempre, embora seja um filme bem cotado.

Inimigos




Inferno no Pacífico (Hell in the Pacific), 1968, de John Boorman, com Lee Marvin e Toshirô Mifune.


Inimigo Meu (Enemy Mine), 1985, de Wolfgang Petersen, com Dennis Quaid e Louis Gossett Jr.

Dois filmaços que narram praticamente a mesma história. Há quem diga que Inimigo meu é um “rip-off” de Inferno no Pacífico, a inspiração pelo menos me parece clara, com a grande diferença, porém, de que este último possui um tom muito mais sombrio e amargo, com uma edição com cortes abruptos que deixa o espectador ainda mais desamparado, principalmente quando o final brusco e inclemente chega. Duas obras magistrais que nos fazem refletir de maneira formidável sobre as noções de “amigo” e “inimigo”, de “próximo” e “estrangeiro”.

Obs.: Inferno no Pacífico possui um final alternativo lançado em dvd. O final ao qual me referi é o original de cinema, que acho bem mais impactante, justamente por seu caráter mais ambíguo.

Noah


Primeiro número de Noah, graphic novel que Darren Aronofsky escreveu (com desenhos de Ari Handel) meio que para vender sua ideia do filme Noé para os estúdios. 
Achei esse primeiro número (serão 4) bem legal, fiquei surpreso na verdade: pelo trailer do filme, não pensei que as liberdades que Aronofsky pudesse vir a tomar com relação ao livro de Gênesis fossem dignas de qualquer polêmica, mas, se o que está na hq for mesmo adaptado para as telas, então, realmente, a indignação de alguns segmentos religiosos para com o filme tem lá seus motivos para dizer o mínimo. Pelo visto, as teorias de Erich von Däniken vão continuar influenciando o cinema - e eu acho isso ótimo porque fica bastante divertido quando bem feito! Fiquei muito mais empolgado para ver o filme!
No geral, gostei da arte de Ari Handel, entretanto, algumas vezes, parece que ele desenhou com muita pressa. Achei curioso que o firmamento que ele desenha parece pertencer a um outro planeta, não sei se a intenção é justamente essa, ou se ele precisava pesquisar um pouquinho de astronomia. O cenário da hq me remeteu muito a Conan, o que é bem bacana.