Devil in a Blue Dress (O Diabo veste azul), de
Carl Franklin, com Denzel Washington, Don Cheadle e Jennifer Beals, 1995.
Interessante neo-noir revisionista que aborda uma
questão que os filmes noir do período clássico jamais tocam: a situação da
comunidade afro-americana nos anos 40/50. Denzel Washington interpreta Ezekiel
'Easy' Rawlins, um veterano da Segunda Guerra, desempregado que luta para pagar
a prestação de sua casa (seu maior orgulho) de forma honesta. Ao aceitar a proposta de um detetive particular para localizar uma
mulher branca no interior da comunidade negra, na qual esse detetive não teria
livre acesso, Easy Rawlins acaba se envolvendo em uma intrincada trama de
corrupção política, segredos mórbidos e traição. Easy Rawlins incorpora o
arquétipo do detetive particular na melhor tradição chandleriana (com uma ótima
narração em off de Denzel Washington), tornando-se cada vez mais durão, cínico,
mordaz e desdenhoso para com as autoridades. O filme, porém, evita ao máximo
cair em anacronismos, sempre levando em consideração o momento histórico e a
situação de segregação que a comunidade negra vivia, deste modo, as diatribes
de Easy Rawlins para com as autoridades são sempre comedidas e verossímeis, mas
que honram os melhores momentos de Philip Marlowe. Salvo engano, Easy Rawlins é
o único detetive particular negro de um filme noir mais tradicional (Shaft
também é um detetive particular, mas suas histórias não são exatamente noir), o
que faz do filme uma importante contribuição ao cânone. Don Cheadle rouba todas
as cenas em que aparece como Mouse, o divertido amigo “hitman” com o qual Easy
Rawlins entra em contato para cuidar de sua retaguarda. Jennifer Beals
interpreta uma exuberante femme fatale que remete imediatamente à Jane Gree em
Out of the Past. Com uma bela ambientação da Los Angeles dos anos 40, uma ótima
trilha sonora que, naturalmente, como todo filme neo-noir, abusa do jass e
blues (um elemento ausente, na verdade, nos filmes noir do período clássico)
Devil in a Blue Dress, a despeito de não ser nada espetacular, representa uma
boa revisitação ao noir tradicional (o único elemento noir que acabou ficando
extremamente artificial e desnecessário foi o diletante uso de um flashback no
início do filme). Daria uma ótima série de TV – um piloto chegou a ser
planejado em 1998 pela ABC, mas não engrenou –, pois o final do filme provoca
uma grande expectativa em saber como será, agora oficialmente, a carreira de
Easy Rawlins como detetive particular. Recomendo a todo aficionado por noir.